19 de março de 2021

 Porque não defendemos a reabertura das escolas:


Em março de 2020, quando os primeiros casos de COVID-19 foram confirmados no Brasil,  havia uma expectativa de retorno rápido às aulas presenciais. Acabamos de completar um ano de pandemia e grande parte das escolas  continua sem realizar atividades presenciais. Os esforços das diferentes esferas governamentais em todo o país não foram suficientes para garantir que as escolas se equipassem minimamente para promover o retorno às aulas. 


No Município de Itaboraí o quadro não foi diferente. Ainda não temos um calendário que inclua professores e profissionais de educação na campanha de vacinação, o que faria a retomada das aulas presenciais segura, sem colocar em risco a vida de estudantes e seus familiares. Pelo contrário, a maioria dos calendários estão sendo interrompidos antes do prazo estipulado por falta de vacinas em diversos municípios do país. No município de Itaboraí, somente após a ação do Ministério Público, a prefeitura passou a divulgar os número dos vacinados na cidade. 


Sabemos que a vacina é um elemento central dessa política, mas não é nem deve ser vista como a única medida. Combater epidemias depende de vigilância epidemiológica, de política de controle e rastreamento feito pela atenção primária. As medidas de distanciamento, uso de máscara e lavagem de mãos devem continuar, assim como a organização das unidades para atender as recomendações e a formação de comitês municipais e dentro das escolas com representantes de saúde, educação e assistência, para fazer o controle e rastreamento.


Sabendo de todas as precauções a serem tomadas para um retorno seguro às aulas presenciais, vejamos agora como se encontra a real situação das escolas brasileiras, de acordo com o Censo Escolar 2019:


• apenas 41,2% das escolas municipais de educação infantil têm banheiro adequado a essa etapa,

• 4,6% das escolas da rede municipal e 5,2% da rede estadual NÃO POSSUEM BANHEIROS. 

• No que se refere à rede pública de abastecimento de água, apenas 88,8% das escolas de ensino médio são cobertas. Segundo dados do Programa Conjunto de Monitoramento da OMS e do UNICEF para Saneamento e Higiene (JMP), 

• 39% das escolas no Brasil NÃO DISPÕEM de estruturas básicas para lavagem das mãos.


Em matéria publicada com dados levantados do Censo Escolar de 2019, o jornal O Globo apontou a existência de cerca de 2 milhões de estudantes, matriculados em 10 mil escolas públicas brasileiras que não possuíam água potável. De acordo com os dados só 65% das escolas municipais e 84% das escolas estaduais possuíam água encanada, 18% e 14% das instituições das redes municipais e estaduais respectivamente usavam poços artesianos, 13% e 5% Cacimba, 6% e 2% rio e 3% e 1% não tinham acesso a água. 



A média de alunos por turma na educação infantil, de acordo com os dados do Censo Escolar 2020, é 16. Nos anos iniciais do ensino fundamental, a média de alunos por turma é 21 e nos anos finais do ensino fundamental a média de alunos por turma foi 27. No ensino médio, a média é de 30 alunos por turma.


Com essa média de alunos por turma, em uma escola que tenha pelo menos uma turma para cada ano, 1 banheiro por escola não é suficiente para que todos os alunos sigam as normas de higiene indicadas nos protocolos de saúde e higiene para conter a pandemia de Covid-19.


Ainda sobre infraestrutura, não foram encontrados dados sobre as condições de ventilação das salas de aula. 


Sabemos que as condições das unidades escolares da rede municipal de Itaboraí não são muito melhores que a média brasileira. Há anos, profissionais e estudantes se queixam de problemas como  falta de água, falta de profissionais de serviços gerais para a realização da limpeza, falta de sabão nos banheiros, calor excessivo nas salas de aula, falta de equipamentos de informática e de rede de internet de qualidade. Comuns são também os problemas na estrutura dos prédios, como infiltrações, goteiras  e salas de aula sem ventilação adequada.


Além disso, presenciamos atualmente não um declínio no número de casos de COVID-19 no Brasil inteiro, mas pelo contrário, o pior momento da pandemia em que o número de mortes bate diariamente a casa dos 2.000. Nesse cenário, o retorno às aulas presenciais não é de forma alguma uma medida coerente, mas algo que vai no sentido oposto às recomendações da OMS.


Segundo os cientistas Ana Arnt e Isaac Schrarstzhaupt, “o retorno das escolas representa exatamente o avesso da “manutenção de isolamento”. Isto é, um aumento significativo de pessoas circulando, especialmente em transporte público e escolar. Além disso, o óbvio aumento do contato direto diariamente – mesmo seguindo-se todas as recomendações apontadas em documentos oficiais e restringindo-se a 35% de crianças dentro do ambiente escolar.” Desse modo, eles perguntam: “como podemos olhar para a escola como PRIORIDADE quando há denúncias de falta de condições, professores com medo e estabelecimentos comerciais não essenciais abertos? Assim, como priorizar escolas sem um plano em que servidores estejam vacinados e, com isso, protegidos entre si, e também em relação às crianças (que não poderão se vacinar ainda)?”

Talvez fosse mais importante nesse momento investir em diminuição dos casos. 

Segundo artigo publicado na Revista The Lancet: “Os argumentos de que as escolas não contribuem para a transmissão comunitária e que o risco geral da COVID-19 para as crianças é muito pequeno resultaram que as mitigações nas escolas tiveram baixa prioridade. No entanto, as evidências citadas nesses argumentos têm sérias limitações. O fechamento de escolas primárias e secundárias tem sido associado a reduções substanciais ao longo do tempo na taxa de reprodução efetiva (Rt) em muitos países (incluindo a Inglaterra) e períodos de tempo.(...)Embora seja improvável que a COVID-19 cause doença grave em crianças, as estimativas da prevalência de sintomas longos de COVID com base na Pesquisa de Infecção do ONS sugerem que 13% das crianças de 2 a 10 anos e 15% das crianças de 12 a 16 anos têm pelo menos um sintoma persistente 5 semanas após o teste dar positivo. Dada a incerteza sobre os efeitos a longo prazo da infecção do SARS-CoV-2 na saúde, não seria sensato deixar o vírus circular em crianças, com o consequente risco para suas famílias. Reabrir totalmente as escolas em um ambiente de alta transmissão comunitária sem salvaguardas apropriadas corre o risco de privar muitas crianças da educação e da interação social novamente, agravando as desigualdades existentes. Ao contribuir para a alta transmissão comunitária, também fornece um terreno fértil para a evolução do vírus e novas variantes.”

 

Desse modo, cientes de que a situação não só no município de Itaboraí, mas no Estado do Rio de Janeiro e no Brasil como um todo, é de total colapso do sistema de saúde, defendemos que o retorno de todos os profissionais da educação bem como dos estudantes às escolas nesse momento é não um ato de defesa da educação e sim de grande risco à saúde pública. 


REFERÊNCIAS:


Arnt e Schrarstzhaupt. E as escolas, devem voltar? Disponível em: 

https://www.blogs.unicamp.br/pemcie/2021/02/10/e-as-escolas-devem-voltar/


Guia dos Guias Covid 19 Educação e proteção 70 recomendações para políticas emergenciais e cenários em 2021. Disponível em: PautasPoliticas_Emergencia_Covid-19_GuiaDosGuias_FINAL_2020_02_03_2.pdf


School reopening without robust COVID-19 mitigation risks accelerating the pandemic. The Lancet, Março de 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)00622-X


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